sábado, 27 de agosto de 2022

O Outro Lado do Clube-Empresa

O United of Manchester foi fundado por torcedores do Manchester United contrários à
aquisição do clube pela Família Glazer (imagem extraída de www.facebook.com/FCUnitedMcr)



Muitos torcedores e alguns dirigentes depositam suas esperanças em um modelo de administração chamado "clube-empresa", que já é adotado na maioria dos países da Europa e alguns da América Latina como o Chile. Alguns poucos clubes do Brasil como o Cruzeiro e o Botafogo já experimentam tal método administrativo.

A maioria dos nossos clubes ainda é gerida da forma tradicional, quase amadora. As instituições (teoricamente) não possuem fins lucrativos e sócios divididos em grupos políticos tomam os rumos da entidade. Neste modelo, é muito comum observar que a maioria dos dirigentes vivem muito mais "dos times" do que "para os times".

O modelo de "clube-empresa" faz com que as instituições assumam que possuem fins lucrativos. Desta maneira, os clubes teriam muito mais responsabilidades com os gastos e os maus cartolas teriam suas ações limitadas. Assim, nenhuma entidade poderia contrair dívidas milionárias ou sustentar gestões temerárias como, infelizmente, observamos em muitos de nossos times.

O que mais atrai os torcedores em tal modelo, contudo, é a possibilidade de que algum magnata possa adquirir o clube, liquide suas dívidas e invista na montagem de elencos vistosos, assim como aconteceu com o Chelsea em 2003 e o Paris Saint-Germain em 2011. É muito atraente a possibilidade de ver o seu time do coração contar com dezenas de estrelas como sempre acontece com os "novos ricos" da Europa.

O modelo, no entanto, faz com que o clube tenha um proprietário (ou um "dono") que poderia fazer o que bem entendesse com a instituição desde que não infrinja as leis do país ou as normas estabelecidas pelas federações. E isto, obviamente, poderia trazer sérias consequências que foram observadas em times europeus.



Muitos torcedores foram contrários à adoção da cor azul pelo Newcastle
United a partir de 2013 mas prevaleceu a vontade de seus proprietários
na época (imagem extraída de www.facebook.com/newcastleunited)



O proprietário teria o direito de realizar desde mudanças leves no clube (alterar brasão, cor ou nome da instituição) até reformulações profundas como alterar o estatuto, mudar a sede ou estádio e destituir funcionários (desde o faxineiro, passando por atletas importantes e até os dirigentes). E o mandatário teria pleno amparo legal para tais atitudes, afinal ele é o dono da entidade.

Tivemos o icônico caso do Newcastle United em 2013 quando muitos fãs não gostaram da adoção da cor azul, tanto no uniforme quanto no brasão do time. O descontentamento era evidente mas prevaleceu a vontade dos acionistas da época. Poderíamos, portanto, observar em cenários hipotéticos a adoção da cor verde no brasão ou uniforme do Corinthians; ou mesmo ter o Cruzeiro rebatizado como "Atlético Cruzeirense" se um eventual proprietário assim desejasse. 

O ponto mais importante do clube-empresa é que o investidor irá adquirir a instituição tendo o lucro como objetivo, mesmo que isto seja em detrimento do desempenho esportivo. O Arsenal, desde que foi adquirido por Stan Kroenke em 2007, praticamente deixou de disputar títulos e se tornou muito mais um balcão de negócios do que um time competitivo. Torcedores vêm protestando há anos exigindo a saída do bilionário norte-americano mas ele rechaçou qualquer possibilidade de renúncia.

Há, ainda, a infeliz possibilidade das gestões serem mal-sucedidas ou mesmo ruins, lembrando que todo investimento traz riscos. O Manchester United, por exemplo, há anos deixou de ser competitivo e se tornou uma máquina de queimar jogadores e treinadores. O Milan escapou de punições severas após seus antigos donos não conseguirem comprovar a origem de seus investimentos em 2017.

Não há, por fim, nenhuma garantia de que os investimentos milionários no clube darão frutos. O Málaga foi adquirido por um magnata catariano em 2010, recursos foram injetados no elenco e, mesmo assim, a equipe acabou rebaixada em 2018.

O modelo de clube-empresa, portanto, não é a "tábua da salvação" como muitos acreditam. Tal sistema resolveria muitos problemas das administrações amadoras de muitos de nossos clubes mas, em contrapartida, poderia criar novos conflitos.

Não se pode, portanto, abraçar uma ideia sem que suas contrapartidas sejam avaliadas. Mudanças têm de ser julgadas com senso crítico, e nunca com euforia ou ódio. Nossos clubes precisam, sim, sair do amadorismo e terem gestões profissionais como já ocorre em outros países. Mas necessitam de valorizar seus respectivos nomes e, principalmente, não caírem em armadilhas como ocorreu com outras instituições.



O Málaga foi adquirido por um magnata catariano em 2010 mas isto não impediu que o clube
entrasse em crise e fosse rebaixado (imagem extraída de www.facebook.com/ChampionsLeague)




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