terça-feira, 30 de agosto de 2022

O Paizão

Ancelotti faturou a sexta Champions de sua carreira e a quarta como
treinador (imagem extraída de www.facebook.com/RealMadrid)



Janeiro de 2022. O Real Madrid havia acabado de faturar a sua 12ª Supercopa da Espanha (em novo formato e disputado em Riad, na Arábia Saudita) quando Luka Modrić dirigiu-se até Carlo Ancelotti para cumprimentá-lo. O italiano, com cara de poucos amigos, esbravejou para o croata antes de abraçá-lo: "Você errou um passe"!

A cena envolvendo Modrić e Ancelotti deixou evidente que o clima no Real Madrid estava diferente, muito mais leve do que o turbulento período entre 2018 e 2021 quando a crise ameaçava tomar o vestiário dos Blancos. O elenco envelhecido e com jogadas mais do que manjadas pelos adversários já não faziam mais a diferença por mais que treinadores e jogadores fossem contratados.

Ancelotti, da mesma forma, já não gozava do prestígio desfrutado durante as duas décadas anteriores. O italiano tentava reconstruir sua carreira no Everton após passagens sem muito brilho no Bayern München e no Napoli. Foi quando o Real Madrid o chamou ao final da temporada 2020-21, algo que eu considerei um "pedido de desculpas" ao treinador pela injusta demissão em 2015.

Ancelotti, se não conseguiu reerguer sua carreira no período entre 2015 e 2021, ao menos pode se reinventar e experimentar novos esquemas táticos em suas passagens por Alemanha, Itália e Inglaterra. Era mais do que necessário, afinal eu mesmo enxergava o italiano como "ultrapassado" dados os seus desempenhos apenas razoáveis até então. O treinador pôde colher os frutos de sua jornada no Real Madrid ao utilizar seus novos conhecimentos para reerguer um elenco outrora apático.

A grande mudança, contudo, se deu pelo ponto de vista anímico. O ambiente no vestiário estava muito mais leve, os jogadores pareciam muito mais unidos e os atletas aparentavam ter reencontrado o prazer de jogar. Mesmo supostas rusgas entre os futebolistas pareciam totalmente superadas.



Ancelotti deu fôlego novo ao manjado elenco do Real Madrid e ainda melhorou
o clima no vestiário (imagem extraída de www.facebook.com/RealMadrid)



O futebol, como em qualquer outro meio competitivo, dificulta que relações humanas sejam estabelecidas, sobretudo durante o momento atual. Os clubes hoje são exageradamente profissionais e se assemelham muito mais a empresas do que times. Tudo é demasiadamente rígido e formal. Resultados são tratados como metas e derrotas são consideradas prejuízos.

Ancelotti, com seu estilo "paizão", ajudou a quebrar um pouco desse formalismo no Real. Sua personalidade leve e agregadora ajudou a controlar os egos das estrelas e também a desenvolver os jovens promissores. Tudo isto fez com que os Merengues -com uma certa dose de sorte, verdade seja dita- arrancassem para os títulos de La Liga e da Champions Legue na temporada 2021-22.

O estilo paternalista, obviamente, não possui apenas vantagens. Treinadores com esse perfil tendem a se apegar em demasia a seus atletas e os comandantes quase sempre relutam quando precisam dispensar ou mandar para o banco aquele jogador mais querido que não esteja mais rendendo. Tite, Felipão, Abel Braga e outros técnicos brasileiros costumam ser empecilhos quando a equipe necessita de mudanças drásticas no elenco.

Ancelotti era o treinador que o Real Madrid necessitava durante tal período de turbulência. Os clubes buscam obsessivamente pelos resultados mas se esquecem de investir nas relações humanas. Jogadores são seres humanos acima de tudo e os times precisam que seus atletas estejam unidos para que os objetivos sejam alcançados.

Muitos talvez relutem para aceitar os métodos de Carlo Ancelotti mas os títulos que o treinador conquistou, seja como jogador ou treinador, sustentam a sua eficácia. Em um meio cada vez mais profissional e competitivo, ainda há quem nos lembre da importância das relações humanas.



Imagem extraída de www.facebook.com/RealMadrid




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