Modismos, Parte 2

O português Ricardo Sá Pinto não resistiu aos maus resultados no
Vasco (imagem extraída de www.facebook.com/vascodagama)

Há quem afirme que o brasileiro sofre da "síndrome de vira-lata" visto que muitos de nossos cidadãos acreditam que tudo o que vem de fora do país é melhor do que é produzido em território nacional. Há, de fato, uma certa razão neste argumento visto que comerciantes, por exemplo, utilizam os dizeres "produto importado" para chamar atenção de clientes e isto costuma impulsionar as vendas.

Tal mentalidade também parece ter chegado ao esporte durante as últimas duas décadas. Pois é, justamente o Brasil que sempre se vangloriou de ser o "país do futebol" agora recorre ao talento estrangeiro para cobrir deficiências em seus times. Muitos atletas nascidos no exterior desembarcaram em terras tupiniquins durante o período mencionado. E agora são os treinadores gringos que chegaram em massa.

O sucesso de Jorge Jesus no Flamengo e de Jorge Sampaoli no Santos assanhou dirigentes de outros clubes que correram em busca de treinadores estrangeiros. Nunca tivemos tantos professores gringos atuando no Brasil quanto em 2020. Desembarcaram por aqui durante o período Rafael Dudamel, Jesualdo Ferreira, Eduardo Coudet, Domènec Torrent, Ricardo Sá Pinto e Abel Ferreira. Tivemos ainda Ramón Díaz que assinou com o Botafogo mas não chegou a assumir em virtude de uma doença. E podemos citar Miguel Ángel Ramírez, já acertado com o Internacional e que assumirá ao término da temporada.

A maioria dos treinadores mencionados, porém, não terminará a temporada. Dos técnicos citados, quatro foram demitidos em virtude de resultados ruins, eliminações ou queda de rendimento de seus times. Coudet também deixou o Inter após receber uma proposta do Celta de Vigo, clube da Espanha. Os dirigentes acreditavam que os comandantes poderiam repetir o sucesso de Jorge Jesus mas parece que algo deu errado.

Jesualdo caiu após a eliminação do Paulistão com o Santos
(imagem extraída de www.facebook.com/santosfc)

O primeiro erro é óbvio: falta de tempo. Dois dos treinadores citados, Dome e Sá Pinto, chegaram com a temporada já em andamento. Na Europa, há tempo de sobra na pré-temporada para que o técnico conheça o elenco, faça testes, ajustes e possa estrear com a equipe devidamente treinada. No Brasil, porém, a pré-temporada é praticamente inexistente, prioriza-se resultados apenas a curto prazo e o comandante tem pouco tempo para corrigir os erros. Isso sem mencionar que alguns de nossos clubes não tinham sequer condições de oferecer reforços aos novos professores.

Outro motivo, como observou o jornalista Leonardo Miranda em seu blog, é a pura falta de critério na hora de se contratar o treinador. Não se avalia o estilo do técnico, se ele é adequado à realidade do clube ou ao elenco disponível. Simplesmente trouxeram "aquele treinador português" porque "ele é do mesmo país ou da mesma escola que Jorge Jesus" e, portanto, poderia dar certo no Brasil como o Mister. Foi tudo motivado pelo modismo ou porque foram feitas avaliações rasas a respeito do novo comandante.

Há, por fim, a falta de adaptação dos treinadores ao nosso país e à nossa cultura. Dome, por exemplo, tentou implantar um "rodízio" de jogadores no Flamengo, mas nós sempre preferimos que nossos times tenham titulares e reservas muito bem definidos. O catalão teve de engolir críticas duras e muitas delas injustas por pensar diferente da maioria de seus colegas.

Nem todas as apostas dos dirigentes em treinadores estrangeiros foram em vão. Abel Ferreira está bem no Palmeiras enquanto Eduardo Coudet deixou o Inter pela porta da frente, mas foram exceções em meio a tantos equívocos cometidos pelos nossos cartolas.

É saudável buscar treinadores do exterior. As trocas culturais permitem que o futebol continue evoluindo e impedem que fiquemos atrasados com relação aos outros países. Mas buscar um técnico pelo simples fato de ser um estrangeiro e sem nenhum critério racional é como comprar um produto no supermercado meramente porque é "importado".

Dome caiu após sofrer duas goleadas seguidas no Brasileirão
(Imagem extraída de www.facebook.com/FlamengoOficial)